Febre digital




Por Miguel Setas, VP de Distribuição e Inovação da EDP no Brasil

Na semana passada, o Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, anunciou a intenção do Governo de universalizar o acesso à banda larga. Atualmente, apenas 27% das residências brasileiras têm acesso à internet. A intenção é chegar a 70% até 2015 e posteriormente até próximo dos 100%.

A “internet para todos”, muito à semelhança do “luz para todos”, que universalizou a energia elétrica no Brasil, deverá facultar o acesso à banda larga para a maioria da população brasileira, naquele que poderá vir a ser um dos maiores projetos de infraestrutura do mundo. De acordo com as declarações do Ministro, a ideia será fornecer um serviço básico por um preço acessível.

Um estudo recente da consultoria McKinsey & Co. estima em 17 bilhões de dólares o valor gerado no Brasil pelas tecnologias de busca existentes na internet. Não é muito, quando comparado com o PIB brasileiro. Acima de tudo, o que a internet veio trazer, mais do que negócio para anunciantes e varejistas, foi uma janela para o mundo. Hoje é fácil navegar por conteúdos de toda a espécie e manter a conectividade com pessoas em todo o mundo.

A questão que se coloca é recorrente. Os últimos resultados do estudo IDEB (índice de desenvolvimento da educação básica), divulgados na semana passada, vieram novamente colocar este assunto em pauta. A população escolar apresenta resultados deficitários nos vários graus de ensino. A consequência é conhecida: uma taxa de 28% de analfabetismo funcional.

A propósito, uma Comissão Especial da Câmara Federal aprovou um projeto para elevar o investimento em educação para 10% do PIB nos próximos 10 anos. Atualmente o Brasil já investe 5,1% do PIB em educação, um valor superior à media dos países da OCDE, que é de 4,4%. A China, por exemplo, investe menos de 4% e tem tido ótimos resultados. No último teste PISA da OCDE, a China (Xangai) obteve o primeiro lugar, enquanto o Brasil se quedou pela 53ª posição. Ou seja, o importante é a qualidade da educação, não a quantidade de investimento.

O acesso à internet não é um “Santo Gral” do desenvolvimento. Agora que a sua utilização é massificada, começam a surgir os sintomas dos excessos. Um estudo recente no Reino Unido revela que 45% das crianças dizem que são mais felizes online do que com as suas vidas reais. Outro estudo britânico mostra que 25% das pessoas sentem que as redes sociais as tornam mais infelizes, ao colocarem grande ênfase na comparação com a vida dos outros. Outro estudo da Universidade de Harrisburg, nos EUA, revelou que o uso continuado de mídias sociais eleva os níveis de stress, prejudica os padrões de sono e degrada as relações pessoais. Aliás, o Facebook já foi citado como contribuindo para um terço dos divórcios registrados.

Em suma, o projeto de universalização da internet parece meritório. No entanto, a febre digital que vivemos hoje ameaça a nossa sociedade com os malefícios resultantes dos exageros que a tecnologia possibilitou. Por outro lado, a aposta numa revolução educativa deve ser encarada como prioridade fundamental. De nada serve ao Brasil ter conectividade integral dentro do cérebro de silício que cobriu o mundo, se não estiver preparado para isso. Mais do que “internet para todos” não será mais urgente “educação de qualidade para todos” ?